segunda-feira, dezembro 29, 2008

Carta de uma leitora

Como mãe de uma atleta e fã da modalidade estou muito contente com o sucesso dos nossos atletas portugueses na Taça da Europa e no Campeonato do Mundo. Fico também muito entusiasmada quando ouço falar de patinagem artística portuguesa na comunicação social. Até que enfim...
No entanto, vi ontem no programa Lucy, na SIC, dois atletas a patinar, mas não gostei da escolha das musicas e dos exercícios apresentados porque não tinham qualidade e por isso não transmitiram uma boa imagem da modalidade. Nunca tinha ouvido falar deles. Não percebo muito de patinagem, mas vejo que para se fazer uma atleta são precisos muitos anos. Por isso gostaria também de ouvir os treinadores dos atletas.
Infelizmente não soubemos ouvir com cuidado um grande treinador, o Fernando Andrade. Agora não ouvimos as pessoas que tiveram responsabilidade na formação do Hugo Chapouto e do Paulo Santos.
Será possível saber qual é a opinião deles?
Grata pela atenção,
Isabel Moura

Agradeço à leitora o email, quanto à primeira parte de mensagem, defendo que não se deve ir para a comunicação social sem ter o cuidado de apresentar qualidade na mensagem. Não vi o programa, por isso não posso comentar...
Relativamente à segunda parte, agradeço a lembrança.
Fico naturalmente muito feliz pelos êxitos do Hugo Chapouto e do Paulo Santos, assim como de todos os outros atletas que trabalharam comigo e com a Dora no Rolar Custóias Clubes desde 1992. Sobretudo estes que nasceram patinadores connosco. Foram atletas que começaram do nada (não sabiam patinar, com exagero dizia até que nem sabiam: falar) e em relação aos quais tivemos a oportunidade de introduzir determinados Princípios que, passados uns anos, fazem deles uma mais valia para a Patinagem Artística.
No fundo, enquanto treinadores tivemos sempre no nosso espírito a vontade de tentar algo de novo, de diferente. Várias vezes eu e a Dora nos interrogávamos: “como construir (formar) uma pessoa (atleta) com mente sã em corpo são”? Sempre tivemos conscientes que o nosso gosto pelo treino deveria ser direccionado no sentido da formação de jovens onde todo o processo fosse recheado com aspectos virados para determinadas competências físicas/intelectuais/técnicas que pudessem levar à “construção” de uma pessoa integra, inteligente, e consequentemente vocacionada para o sucesso profissional e desportivo.
Do ponto de vista da nossa conduta perante os jovens, sempre tentamos agir de forma a sermos um bom exemplo de cidadãos, um exemplo de virtudes, de harmonia e sacrifício pelos nossos ideais, enquanto treinadores. Transmitir-lhes o nosso verdadeiro amor pela modalidade (como um ideal alcançável por poucos), o gosto pela prática disciplinada em busca da perfeição, a necessidade de se ter capacidade para trabalhar, de sofrimento e, acima de tudo, de acreditar que somos responsáveis por todos os dias sermos melhores pessoas.
Por isso, deveríamos acreditar sempre, acreditar que somos capazes de fazer algo de novo, de no fundo escrever História, por mais pequeno que seja o episódio.
Nem todos os atletas digeriram bem estes e outros Princípios de Vida, nem todos tiveram essa capacidade… Também reconheço que nem sempre fui suficientemente capaz de estar à altura deste enorme desafio e exigência que é formar jovens patinadores com objectivos tão complexos.
Apesar de muitas horas de dedicação e sempre a trabalhar nas nossas exigentes profissões, conseguimos criar qualquer coisa diferente. Foi um ciclo fantástico e muito enriquecedor.
Nada disto seria possível se o Hugo e o Paulo não tivessem talento. Por isso o mérito é, seguramente, destes atletas que têm talento. Diria que o talento deles é uma bênção divina, assim como é uma bênção divina a sua entrega ao trabalho e a sua disponibilidade para ouvir os conselhos dos outros e acreditar.
Olhando para trás vejo muitos anos, muitas horas de trabalho, de princípios de vida, de correcções e de conselhos de manhã, de tarde e à noite.
Em vários momentos deste processo fomos, talvez, os únicos a acreditar, quando os próprios atletas não acreditavam neles.
A perspectiva de fora, ano a pós ano, era desoladora, no entanto fomos trabalhando com atletas que poucos acreditavam no seu sucesso, ou porque não tinham boa silhueta ou porque eram desajeitados, ou porque tinha escolhido o treinador errado, enfim tudo servia para os desmoralizar, não os fazendo acreditar no seu talento. Porém, nós continuávamos firmes no nosso posto, pois acreditávamos.
Se nos perguntarem se existe algum segredo responderia: Acreditar! Sempre!
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