quarta-feira, setembro 26, 2007

O olhar de Pedro Mourinho Guerreiro sobre o Europeu em Espanha


Relativamente ao Europeu de Cadetes e Juvenis (Cerdanyola - Espanha, de 11.09. a 15.09.2007) igualmente enderecei um conjunto de perguntas, através de mail, para os treinadores (penso que para todos) presentes no campeonato.
O primeiro a responder foi o Pedro Mourinho Guerreiro. Pedro o meu muito obrigado.

Aqui ficam as perguntas e as interessantíssimas respostas dele. Mais uma vez agradeço-lhe a disponibilidade e a prontidão nas respostas.

1- Como foi a viagem? As instalações do pavilhão eram boas (balneários, etc.), o piso e a organização? Pelos vistos as entradas eram caras, os treinadores tiveram que pagar?

P.M.G - A minha viagem foi de Lisboa até Cerdanyola, partimos as 6 da manha de Domingo e chegamos as 20:00, hora Espanhola. Só tivemos alguma dificuldade à chegada a Cerdanyola, visto que fiquei sem bateria no GPS e não tinha outra forma de orientação. Teve de ser mesmo com a ajuda dos locais. Foi um pouco cansativa, mas temos de fazer alguns esforços para retirar algum custo com as despesas, pois são os pais que suportam as minhas despesas.
O envio tardio das convocatórias definitivas torna bastante complicado a confirmação dos apoios de empresas e órgãos públicos da região onde a atleta se insere. Normalmente com a boa vontade de todos, esses apoios vêm à posteriori.
O piso era de cimento, como quase todos em Espanha, vinha informado que era um piso abrasivo, pelo que nos preparamos o melhor possível para essas condicionantes.
A organização foi eficiente e competente sem grandes luxos, mas sem que faltasse nada. As entradas eram caras, vindo acrescentar mais alguma despesa aos pais que já de si tinham orçamentos limitados. Os treinadores não pagaram nada, uma vez que foram credenciados pela FPP.
O atraso do transfer do aeroporto para o hotel que transportava os nossos atletas e dirigentes, fez com que Portugal não pudesse estar presente nos sorteios iniciais e também causou um pouco de confusão no primeiro dia de treinos com tanto atletas como treinadores a lhes serem perguntado pelas respectivas credenciações, mas a organização teve a latitude suficiente para deixar entrar toda a gente com a promessa de que se trataria logo de seguida da respectiva credenciação de todos.

2- A Espanha está a fazer um grande investimento na patinagem artística. Concordas com esta afirmação?

P.M.G - A Espanha tem vindo a fazer algum investimento em formação de novos treinadores, e de novos atletas, o primeiro programa de jovens talentos de Espanha que culminou com a geração que hoje em dia são Juniores e Seniores, são a face visível desse trabalho.
Pensou-se em Espanha que a formação que se tinha dado tanto a treinadores como a atletas seria suficiente para que a Espanha continuasse na senda dos bons resultados por si só, mas rapidamente chegaram à conclusão de que uma nova etapa dos jovens talentos seria necessário para revitalizar os escalões mais jovens que estavam a perder espaço para os Italianos e Alemães.
Assim sendo, um novo investimento em dois treinadores de inegável valor, como são Paolo Colombo e Leonardo Leinhard. Nesse trabalho, segundo fui sendo informado pelos meus colegas treinadores de Espanha, o contacto directo com os treinadores que depois nos seus clubes, desenvolvem o trabalho diário e contínuo, é o mais importante para o desenvolvimento técnico de toda a escola Espanhola.
Para além disso, foi delegado na Rosa Gomes Pey, a responsabilidade do desenvolvimento das regiões menos fortes de Espanha, tentando assim, estrutura-las e aproxima-las das outras regiões mais desenvolvidas. Para além deste investimento que se pode dizer estrutural, há ainda uma grande dinâmica de intercâmbios entre os clubes e regiões de Espanha, com constantes torneios e troféus que provome não só o convívio e troca de experiências entre todos os agentes desportivos, como aumenta o índice competitivo delineando momentos de competição quase todos os meses do ano.

3- Na tua opinião, qual é o caminho que os espanhóis estão a percorrer? Haverá algumas lições a tirar dos espanhóis? Que lições?

P.M.G - Eu tenho o privilégio de contactar regularmente com vários treinadores desta nova geração Espanhola, são a seguir aos colegas Italianos a minha maior referencia enquanto estruturação do meu trabalho.
Eles são muito unidos, se há um torneio numa certa data e região, os atletas de outro treinador vai a este torneio e treina com o colega local com a maior naturalidade, comunicam entre eles todas as suas dificuldades e conquistas.
Isso é uma forma de estar no desporto que me agrada imenso.
Mas nem tudo está bem em Espanha, também são críticos sobre alguns processos estruturais. A maior diferença provavelmente é que eles têm da parte organizadora do desporto em Espanha, um espaço e um local para exporem as suas questões e os seus anseios.
Ainda gostava de evidenciar que a maior parte destes treinadores jovens como por exemplo, Clemente, Abert, Manuel, Nuria, etc, não são profissionais, quase todos eles têm outra profissões, portanto com isto quero dizer que as diferenças não estão nas mitológicas falta de horas de treino, ou na falta de tempo dos agentes envolvidos.

4- Na tua opinião, os níveis técnico e o artístico apresentados neste campeonato foram baixos/médios/altos? Que atleta ou par ou país se destacou pela positiva? E pela negativa?

P.M.G - Com relação com os níveis técnicos e artísticos, há que por sempre em perspectiva que estávamos num campeonato de Cadetes e Juvenis, pelo que me pareceu que tecnicamente foi um campeonato muito forte com muitos atletas de vários países a demonstrar níveis de prestação competitiva muito acima do que é o "normal" para estes escalões.
Ao nível artístico, embora se veja que falta a maturidade que vem com a idade e a experiência, forma apresentadas algumas performances muito boas, principalmente nos pares de dança, mistos e femininos.
Por outro lado, a melhor competição foi sem dúvida a de Juvenis masculinos onde os 2 primeiros classificados apresentaram todos os triplos completos com alguma facilidade e o 3 também não está muito longe.
Como dizia o comissário técnico italiano, o futuro evolutivo da patinagem artística está garantido.
Eu não consigo destacar ninguém em particular ou colectivamente pela negativa, acho que mesmo países com menos tradições nestas competições internacionais, honraram os seus países patinando no melhor das suas capacidades, e portanto quando é assim têm de sair do campeonato de cabeça erguida e trabalhar para ser ainda melhor no próximo ano.

5- A selecção portuguesa esteve bem? Houve penalizações? Quem foi o juiz português? Como foi a sua actuação?

P.M.G - Eu penso que a selecção portuguesa esteve no geral em boa forma, mas com os picos altos e baixos que caracterizam as performances dos nossos atletas.
Quando conseguirmos pautar a semana competitiva pelo melhor que cada individuo demonstra ser capaz de fazer, então teremos seguramente muito mais com que nos alegrar.
Não penso que tenha havido penalizações por falta de cumprimento das regras que todos demonstraram conhecer.
Quanto ao juiz português não desejo tecer qualquer comentário.
Só gostava de deixar uma nota que me entristece muito que se continue a ver que cada juiz está mais empenhado em valorizar o seu atleta que em ajuizar patinagem artística, mas isto não é um problema do nosso juiz, bem pelo contrário, é um problema do nosso desporto internacionalmente. Mexe com a credibilidade que julgamos ter direito mas que depois não agimos em conformidade.

6- Nestes escalões verifica-se alguma diferença entre a nossa patinagem e a dos outros países (mais desenvolvidos)?
P.M.G - As diferenças são notórias. Itália, Eslovénia, Espanha e Alemanha, apresentam níveis técnicos e artísticos muito superiores aos nossos. Isto numa apreciação global, enquanto escolas de patinagem.
Alguns dos nossos atletas acabam por fazer diminuir estas diferenças pelo seu crer, pela sua capacidade de luta momentânea, mas a longo prazo mentiria se não estivesse preocupado com o rumo que a patinagem portuguesa está a levar.
Levamos mais tempo a discutir quem vai e ao quê que a preparar e a competir.

7- Do teu ponto de vista, temos (Portugal) desenvolvido ou estagnamos? Do ponto de vista de treinador do atleta que participou o que é que correu bem e o menos bem?
P.M.G.- Eu quero acreditar que temos desenvolvido de uma forma descontinuada, ou seja, não temos sustentação para o desenvolvimento de grandes atletas como fora a Rita Falcão, Liliana Andrade, Diana Ribeiro, Manuel Magalhães, Marta Ferreira, Hugo Chapouto/Vanessa Costa (peço desculpa se me esqueci de alguém).
O que quero dizer com isto é que andamos com estes atletas ao colo, e descuramos o que vem a seguir, se só a estes e mais alguns lhes damos a entender que estamos a olhar para eles, então quando estes acabarem de dar os seus frutos e olharmos para trás não temos lá ninguém.
Não é que não temos nenhum valor, pior que isso, não temos mesmo ninguém interessado em competir com este nível de exigência.
Os processos de representatividade, continuam a tecer tantas observações que volto a reforçar esta ideia, depois não nos dedicamos ao processo de preparação de uma forma regular e sustentabilizada.
Particularmente a minha atleta teve um dia mágico, mas a pressão imposta em todo o processo para chegar a competição acabou por condicionar a prestação nos outros dias que foram a maioria. Estamos numa fase de desenvolvimento da personalidade e da postura competitiva importantíssima e portanto nesta fase pos-competição teremos de conversar muito sobre as formas e os meios que utilizamos para nos preparar para competir.

8- Haverá algum modelo, ou alguma estrutura que deveremos tentar adaptar à realidade portuguesa?
P.M.G - A minha opinião é que esta conversa da estruturação é se calhar aquela que mais colegas treinadores reivindicam como sendo a que faz a diferença entre nós e os outros mais fortes. E fazem-na muito bem, pois acho que é um ponto essencial.
Eu não acho que o problema dos treinadores portugueses seja uma questão de desconhecimento técnico. Não o acho agora como não o achava à 10 anos atrás.
Em conversas com vários treinadores italianos que pontualmente têm trabalhado com treinadores portugueses com atletas na selecção nacional portuguesa, o que eles apontam quando se falam das lacunas das prestações dos atletas portugueses, é para a falta de rigor na implementação das técnicas, falta de personalidade (vemos um atleta da Sara Locandro e reconhecemo-lo imediatamente, vemos um atleta do Gabrielle Quirini e identificamo-lo imediatamente) e também a falta de programação a longo prazo.
Ora este último ponto é o mais difícil para mim, pois independentemente da minha programação particular, há sempre demasiados imponderáveis que vão surgindo que condicionam e desestabilizam os atletas, principalmente contribuindo para um aumentar da pressão sentida por estes.
Pressão negativa, bem entendido, porque a pressão competitiva, não só é benéfica como pode ser um meio de prazer.

9- A formação em Portugal é, como alguém diz, das melhores que existe? Ou será apenas uma visão egocêntrica de quem pouco fez – a este nível - pela modalidade e já reclama vitória?
P.M.G - A formação em Portugal é o que cada um de nós faz cada dia que vai orientar um treino.
Se cada um o fizer com qualidade e rigor será um bom dia para a Patinagem Artística no nosso País, se por outro lado ficarmos em casa ou sentados na vedação a pensar na próxima frase brilhante que vamos lançar, então será um mau dia para a Patinagem Portuguesa.

10- Há algum aspecto que merece ser falado e que não foi abordado nas perguntas apresentadas?
P.M.G - Gostava de referir o empenho e a dedicação com que algumas Autarquias do nosso País têm posto ao serviço do desporto, muitas vezes substituindo aquilo que é o dever do estado e das organizações federativas. Digo isto com conhecimento de causa.
A FPP tem nos últimos anos descorado completamente a preparação dos atletas e respectivos treinadores da patinagem artística.
Poderá ser por imposições orçamentais, poderá ser por falta de quem chame a si a organização dos mesmos, o que é certo é que vemos multiplicados estágios de preparação em outras modalidades da mesma casa e na patinagem só vemos visionamentos que têm a tal pressão negativa do "Big Brother Is Watching You".
Não estou com isto a dizer que deveria esta entidade chamar a si a preparação efectiva dos atletas, mas deveria isso sim de criar condições de interacção de uma forma global ou regional, de acordo com um planeamento previamente definido.
Treinos como fazemos nos estágios regionais de Lisboa com treinadores internacionais a supervisionar, ou não, seriam a melhor solução de haver intercambio, convívio e fomento do espírito de equipa, que tanta falta faz aos nossos miúdos.
Devemos ser a única selecção regularmente em competições internacionais que não tem os seus cânticos próprios. Pode ser um factor menor, de certeza que o é, mas também é um sinal que o tempo que eles passam uns com os outros em convívio aberto é nulo.
É também neste tipo de acção que os atletas mais velhos contam aos mais novos o seu passado, as suas vivências, isto porque às tantas estes miúdos pensam que a Patinagem Artística começou em Portugal no dia em que eles começaram a entrar nestas coisas.

Reitera-se os agradecimentos ao Pedro pelas suas esclarecidas e pertinentes palavras. Até breve.
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