Hugo ao Jornal de Matosinhos: "ainda não caí em mim"
Hugo Chapouto é, aos 24 anos, Campeão do Mundo Solo Dance
Atleta lamenta falta de vontade para desenvolver actividade em Matosinhos
Proeza inédita em Portugal. Hugo Chapouto conquistou, na semana passada, o título de campeão do Mundo em Friburgo, Alemanha, com duas notas máximas na disciplina de Solo Dance. Depois de ter conquistado o título de campeão da Europa, o matosinhense, de 24 anos, atinge o ponto mais alto de uma carreira que ainda tem muito para dar. O próximo desafio será o campeonato do Mundo, em Portimão, em 2010. Antes disso, o estudante de arquitectura está focado na conclusão do mestrado na área que o fascina há muitos anos.
- O que sentiu quando percebeu que era campeão do Mundo?
- [Pausa] É difícil descrever. Tive a chorar meia-hora, de forma inacreditável, mais ao menos em estado de choque. A minha namorada e treinadora, Marta Pereira, e o técnico da Federação, Mário Lago, eram as pessoas que estavam ao meu lado. Sinceramente, ainda não caí em mim, até porque esta medalha tem um simbolismo muito complexo. Além de representar uma vitória pessoal, é também uma vitória de todas pessoas que trabalham no anonimato e perdem horas e dinheiro em prol da modalidade. É também a afirmação em definitivo de Portugal no panorama internacional e espero que, a partir de agora, tenha conseguido abrir outras portas.
- A modalidade tem pouca visibilidade no nosso país. A falta de reconhecimento não chega a ser revoltante?
- Durante muitos anos, combati, até de forma agressiva, a mediatização de outras modalidades, porque me sentia, de facto, oprimido. Mas a culpa nunca morre solteira e cansei-me de culpar os outros em questões que têm a ver connosco. Refiro-me neste termos porque quando a própria modalidade não tem capacidade para divulgar os seus feitos, algo está mal. Apesar da calorosíssima recepção que tive, não deixa de ser amadora, pois quem se deslocou ao aeroporto para me receber foram os meus familiares e amigos, que mais que o medalhado quiseram receber o homem. Já vi vídeos da recepção de atletas em Espanha, que não conquistaram nenhum título mundial, e até as televisões marcaram presença. Nós por cá, continuamos à espera do S. Sebastião e não aproveitámos o bom que temos.
- Nenhuma entidade oficial marcou presença para o receber?
- No domingo, não. Nem da Associação, nem da Federação de Patinagem, nem da Câmara de Gondomar, concelho do clube que represento, Académico Gondomar, nem do concelho de Matosinhos, de onde sou natural. Mas, infelizmente, não foi surpresa. Nenhum meio de comunicação social também marcou presença, porque à mesma hora estavam a decorrer jogos de futebol. Depois, acho engraçado quando vejo o país revoltado e assisto a fortes pressões porque um atleta diz que de manhã é bom estar na caminha. Se as pessoas soubessem os sacrifícios que os atletas têm de fazer e deixassem de ser tão egocêntricas, teriam mais legitimidade para exigir.
- Este título chegou mais cedo que o planeado, certo?
- Sim, até porque há três anos deixei a modalidade. Quando regressei apresentei um plano à Federação. No primeiro ano, pretendia fazer boas prestações nas provas internacionais, o segundo ano significaria alcançar medalhas, e só no último ano é que tentaria alcançar um feito que nunca tinha sido conseguido em Portugal e ser campeão do Mundo.
“Responsabilidade é maior”
- A responsabilidade aumenta para o próximo campeonato do Mundo, que até se realiza em Portugal, em Portimão?
- Acho que sim, a responsabilidade é maior. Mais que chegar ao topo, o difícil é continuar por lá. Para o ano, tudo vai ser mais difícil e a parada vai subir. Este ano, já notei grande evolução do ponto vista técnico. O evento também vai ser especial, pois já não se realiza em Portugal um campeonato do Mundo desde 1978.
- Com que apoios conta para se dedicar diariamente à modalidade?
- Felizmente, devido ao currículo que alcancei ao longo dos anos, no início deste projecto só avancei porque tive ajudas ponto de vista técnico. Nem a minha treinadora, nem a coreógrafa, levavam dinheiro, e contei com um patrocinador do ponto de vista material, a EDEA e Rolline, e um patrocinador do ponto de vista guarda-roupa, a LYCRARTE. Depois, tive ajudas nas minhas viagens semanais para Lisboa, da Isabelina, e tive pessoas que me ajudaram ao nível dos recursos humanos e instalações desportivas. Esta modalidade exige treino em recintos fechados.
- Teve apoio em Matosinhos?
- No ano passado, pedi autorização para utilizar as instalações desportivas do Pavilhão do Custóias e a justificação que me deram foi que não havia funcionários para abrir as instalações. Matosinhos está bem servido de equipamentos desportivos, particularmente para a patinagem, mas não há receptividade para ajudar. Tive a necessidade de me deslocar até Paredes para encontrar boa vontade do ponto de vista político para desenvolver a minha actividade desportiva.
- Gostava de desenvolver projectos em Matosinhos?
- Gostava de desenvolver o acompanhamento de novas organizações e clubes que possam surgir. O mais aliciante seria a criação de uma espécie de Academia que conseguisse absorver toda a qualidade da área metropolitana do Porto.
“É a minha marca no Mundo”
- Este título em que é que o pode ajudar?
- Para já, o meu nome fica na história. É a minha marca no Mundo. Isto aos 24 anos. Mas não quero que seja um resultado pontual. Espero ter mais êxitos como atleta e, depois, como treinador, contribuir para que Portugal cresça na modalidade e se aproxime das maiores potências. A Itália também nasceu do nada.
- Recebeu algum prémio monetário?
- Os prémios monetários não estão tabelados. Mas o Instituto Desporto atribui uma verba, pela vitória no Campeonato da Europa em 2008, e estamos no final de 2009 e ainda não recebi absolutamente nada. Estes prémios monetários deviam ser uma ajuda real, pois daqui a cinco anos, por exemplo, já nada serve para o atleta, uma vez que já terminou a carreira. Esse dinheiro podia ajudar a ter melhores condições de treino.
- Tem conseguido conciliar a modalidade com o curso de Arquitectura?
- Não tem sido fácil. Estou a finalizar a tese de Mestrado em Arquitectura. Desde pequeno, sempre tive predisposição para organizar bem o meu tempo. Utilizei sempre os tempos certos e isso ajuda imenso. A patinagem e a arquitectura são as minhas grandes paixões.
Por: Arnaldo Martins